domingo, julho 26, 2009

::: Trem da alegria :::
Tati Bernardi

Ele dança descaradamente e eu sou tão feliz. Não poderia amar esse homem, não, não é o tipo de homem que eu amaria. Mas sou feliz nessa uma semana, ou duas, não sabemos ainda. Porque ele é tão feliz, tão mais feliz do que eu jamais fui. Ele realmente curte bobeiras na televisão, coisa de quem não fica na varanda querendo se jogar, acho eu dentro de alguma lógica maluca da minha cabeça. E fica feliz se tem a lasanha preferida dele no restaurante. Feliz por causa de uma lasanha! Faz aquela cara de “delicinha que é viver”. E tem bochechas vermelinhas e não fede pó na nuca como as pessoas gastas pelo tempo ou azedo no peito como as pessoas desgastadas pelo pó. Ou qualquer coisa por aí. Ele só se sente bem em estar vivo. Isso. Ele corre no parque, toma banho, veste a cueca cantando, coloca uma meia branquinha e vem me ver. Pede a lasanha, me beija perto da orelha. E ele se sente muito bem com a vida e com o corpo e comigo. E por isso, ando feliz que só nessas semanas. Mas com certeza eu não poderia amar esse homem. Eu nem mesmo, pra falar a verdade, o admiro. Não, admirar eu admiro, porque tô aqui de boca aberta olhando pra ele e curtindo estar nessa vida de amaciante e pão quentinho. Mas eu só amo, e aí sim é a certeza de sentir algo maior e com futuro (e passado), a certeza de poder viver ao lado dele, essa história que nem é minha ou pra mim, e depois voltar pra casa e encontrar meu senhor, meu marido, meu único amor da vida inteira. Ele me espera, faz meu banho, me cobre, me devora o tempo todo, dorme encaixado em mim. E sabe que esse garoto é só mais o garoto ou homem ou moleque ou velho da semana ou do mês. Eles não passam disso. E me perdoa. E diz que é assim mesmo, para eu viver por aí mas depois voltar pra casa, pra ele, pro homem que me deu tudo o que eu tenho, que me ama como eu sou, e que sabe, dentro da sua segurança de duzentos mil infinitos anos, que jamais será trocado. Ele pede a lasanha e come fazendo gemidinhos de programas vespertinos de culinária. E esfrega as mãos nas minhas costas, sabendo que eu preciso mesmo ser acesa o tempo todo, pra não sucumbir a essas coisas gélidas que me atravessam. E ri, o tempo todo, ele ri, como é feliz! E eu embarco em mais um trem (às vezes fantasma, desse vez da alegria) mesmo odiando viajar. Eu vou porque é preciso ter histórias, viver coisas, sair de casa, mas nunca vou realmente. Sempre me sinto ocupando de favor o lugar da personagem real que está doente ou enlouqueceu. Assim que coloco o pé pra fora, viro uma substituta de qualquer um que sabe viver. Uma coadjuvante de mim que rouba a cena porque os engraçados sempre roubam. Experimento pessoas como experimento comida baiana, “tá, deixa eu ver que gosto tem, mas não muito pra não morrer aqui, longe de casa, debaixo desse sol e dessa alegria”. Assim que chego em casa e abraço meu único e verdadeiro marido, meu silêncio, sou eu mesma e nada pode dar errado ou acabar. Ele ri mais um pouco, segura firme na minha mão, eu quero contar, ele merece saber, eu estou amando e super feliz de brincar de amar e ser feliz, mas olha, querido, daqui a pouco eu volto pra ele. O silêncio. Eu sempre volto pro silêncio. Mas agora acelera aí, apita, solta fumaça, sei lá como é andar de trem, mas sempre ando. Vamos ver até onde eu aguento dessa vez.

sábado, julho 25, 2009

::: Nua e Crua :::
Brena Braz

Eu queria ser famosa. Estampar as capas das revistas com minha felicidade instantânea e dizer que estou ótima depois de uma separação traumática. Queria ir pro Big Brother e fazer melhores amigos em uma semana. Queria dizer que amo com um mês de namoro. Queria achar super normal que o cara que eu amo conversa no MSN com mulheres que ele acha gostosas. Queria que, quando alguém me chamasse de gostosa, isso fosse um elogio ao meu caráter e não um “eu te comeria se você me desse mole”. É provável que eu fosse mais feliz assim.

Mas eu sou tradicional. Sou convencional, apesar de não ser normal. Se eu me corto, eu sangro. Se bato o dedo no pé da mesa, dói. Sou uma pessoa comum. Acredito no até que a morte nos separe e também no eterno enquanto dure. Acredito que, se eu sou capaz de ser fiel, alguém mais pode ser. Acredito que eu não sou uma laranja, mas preciso da minha outra metade pra me sentir inteira. Valorizo as pequenas atitudes, assim como condeno pequenas mancadas. Sou rancorosa, guardo por anos uma coisa que me magoou de verdade. Sei perdoar. Passo por cima dos erros pra ficar junto das pessoas que eu gosto. Tenho meus limites. O primeiro deles é meu amor-próprio. Perdôo uma vez, porque errar é humano. Perdôo duas porque o ser humano é estúpido às vezes. Mas não posso viver perdoando porque isso seria incompetência minha.

Acredito que as pessoas aprendem com os próprios erros e com o tempo. Acredito também que quem traiu uma vez e foi perdoado vai trair de novo. Acredito que aquelas pessoas que vivem falando mal dos outros vão falar mal de você com esses outros. Acredito que as pessoas só mudam por vontade própria e nunca pelo pedido de outra pessoa. Acredito que tudo que eu acredito hoje vai mudar com o tempo. E que, no futuro, talvez, eu acredite em menos coisas. Ou em nada mais.

Nunca vendi meu corpo, nem nunca sequer considerei essa possibilidade. Eu sei exatamente o tipo de homem que sai com puta. E esse tipo me dá náusea. Nunca precisei experimentar drogas pra pertencer a nenhum grupo. Me dou bem com todo tipo de gente e as pessoas costumam gostar de mim apesar do que eu sou. Tenho verdadeira repulsa por homem mulherengo. Detesto aquele tipinho “caminhoneiro” (que fala pra esposa que tem uma em cada ponto, mas ela é a única que ele ama). Detesto mulher corna que se explica pras pessoas “mas ele me ama”. Sexo com outras pessoas só é perdoado quando é o homem que faz. Detesto homem machista. Detesto o tipinho que vai pra farra enquanto a mulher tonta espera em casa. Detesto mulher tonta.

Eu queria ser famosa pra fingir que não sinto dor. Pra fingir que sou perfeita na capa das revistas masculinas. Pra fingir que não preciso fingir. Queria ser famosa pra ser uma fruta e não uma cabeça que pensa. Mas escrever nunca deu dinheiro, nem capa de revista, nem melhores amigos no Big Brother. Escrever é pra pessoas de quinta como eu, que não vão fazer seu primeiro milhão vendendo o que tem no meio das pernas pra adolescentes de 30 anos de idade. Queria ser famosa pra experimentar uma vida que, dizem por aí, é melhor que a minha. Queria ser famosa pra ver se eu conseguiria ser eu.

sexta-feira, julho 03, 2009

::: Strip-tease :::
Martha Medeiros

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer.
Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos.
Não podia mais voltar atrás.
Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta,
não levou mais do que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis.
Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou.
Ele perguntou o que poderia fazer por ela.
A resposta: sem preliminares.
Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.

Primeiro tirou a máscara:

" Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade.
Você é a pessoa mais especial que já conheci.
Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas,
mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade.
Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto ".
Então ela desfez-se da arrogância:
" Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem.
Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto.
Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."
Era o pudor sendo desabotoado:
" Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento,
e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou ".

Retirava o medo:

" Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei ".

Por fim, a última peça caía, deixando-a nua:

" Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim.
A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui ".

E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.
::: Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender :::
Arthur da Távola

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar:
aprenda a fazer bonito o seu amor. Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.
Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito.
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.

Tenho visto muito amor por aí, Amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva, mas esbarram na dificuldade de se tornar bonito. Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebeu ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem;
rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razões. Sim, de razões. Ter razão é o maior perigo no amor.

Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira.

Ter razão é um perigo: em geral enfeia o amor, pois é invocado com justiça mas na hora errada.
Amar bonito é saber a hora de ter razão.

Ponha a mão na consciência. Você tem certeza que está fazendo o seu amor bonito?
De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro, a maior beleza possível?

Talvez não. Cheio ou cheia de razões, você espera do amor apenas aquilo
que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer. Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito. Sofrendo, deixa de ser alegre, igual criança. E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.

Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia.
Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama.
Saia cantando e olhe alegre.

Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, “aquela conversa importante que precisamos ter”, arquivar se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.
Para quem ama toda atenção é sempre pouca.
Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.

Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida
como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos sonhos):
não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente.

Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser.

Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs. Falando besteiras, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil. Revivendo os carinhos que instruiu em criança. Sem medo de dizer, eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.

Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo o que você é e nunca, deixaram, conseguiu, soube, pôde, foi possível, ser.

Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.
Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você.

Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.