sexta-feira, agosto 21, 2009

::: Depois que você me mandou limpar os óculos :::
Tati Bernardi

A mesa rodava, as luzes insistiam, os barulhos iam cessando como um prêmio e as pessoas tentavam me aquecer. Eu sabia que estava sendo amada, talvez como nunca em toda a minha vida. Mas só tinha olhos para os pêlos do seu braço. Eu olhava como quem não olha e me dizia baixinho: olha eles lá, olha lá os pêlos que eu tanto amo sem mais e sem fim.

Matei finalmente a saudade do seu dedão. Seu dedão meio largo, meio torto, com a unha que preenche todo o dedão. Eu amo o seu dedão, amo sua unha meio roxa, amo a semicircunferência branca que sai da sua cutícula e vai até o meio da sua unha, amo a sua mão delicada que sai de um braço firme. Amo que os pêlos da sua mão pareçam meio penteados de lado.

É isso, sei lá, mas acho que amo você. Amo de todas as maneiras possíveis. Sem pressa, como se só saber que você existe já me bastasse. Sem peito, como se só existisse você no mundo e eu pudesse morrer sem o seu ar. Sem idade, porque a mesma vontade que eu tenho de te comer no banheiro eu tenho de passear de mãos dadas com você empurrando nossos bisnetos.

E por fim te amo até sem amor, como se isso tudo fosse tão grande, tão grande, tão absurdo, que quase não é. Eu te amo de um jeito tão impossível que é como se eu nem te amasse. E aí eu desencano desse amor, de tanto que eu encano.

Ninguém acredita na gente: nenhum cartomante, nenhum pai-de-santo, nenhuma terapeuta, nenhum parente, nenhum amigo, nenhum e-mail, nenhuma mensagem de texto, nenhum rastro, nenhuma reza, nenhuma fofoca e, principalmente (ou infelizmente): nem você.

Mas eu te amo também do jeito mais óbvio de todos: eu te amo burra. Estúpida. Cega. E eu acredito na gente. Eu acredito que ainda vou voltar a pisar naqueles cocôs da sua rua, naquelas pocinhas da sua rua, naquelas florzinhas amarelas da sua rua, naquele cheiro de família bacana e limpinha da sua rua. Como eu queria dobrar aquela esquininha com você, de mãos dadas com os pêlos penteados de lado da sua mão.

Outro dia me peguei pensando que entre dobrar aquela esquininha da sua rua e ganhar na mega-sena acumulada, eu preferia a esquininha. A esquininha que você dobrou quando saiu da casa dos seus pais, a esquininha que você dobrou chorando, porque é mesmo o cúmulo alguém não te amar. A esquininha que você dobrou a vida inteira, indo para a faculdade, para a casa dos seus amigos, para a praia. Eu amo a sua esquininha, eu amo a sua vida e eu amo tudo o que é seu.
Amo você, mesmo sem você me amar. Amo seus rompantes em me devorar com os olhos e amo o nada que sempre vem depois disso. Amo seu nada, apenas porque o seu nada também é seu.

Amo tanto, tanto, tanto, que te deixo em paz. Deixo você se virando sozinho, se dobrando sozinho. Virando e dobrando a sua esquininha. Afinal, por ela você também passou quando não me quis mais, quando não quis mais a minha mão pequena querendo ser embalsamada eternamente ao seu lado.

quarta-feira, agosto 19, 2009

::: Uma Carta :::
Ls Jack

Coloquei uma carta numa velha garrafa,
Mas uma carta de solidão,
Coloquei uma carta, um pedido da alma,
Salvem meu coração...


Essas areias que me sujam os pés,
Esse é o meu chão mais uma vez,
Há muitas luas nessa ilha tão só,

Será que ao menos um navio eu vou ver?
E alguma civilização?
E a cada dia sobe mais a maré...

Alguém aí?
Me devolva o amor que você tirou de mim no fim,
Alguém aí?
Vou queimando no sol a esperança de te ter aqui,
Bem aqui.

segunda-feira, agosto 03, 2009

::: Reflexão para a mulher solteira! :::
Joana Novaes

Regra básica, número 1: uma lição que a psicanálise nos ensina e que poderia ser estendida aos mais diversos aspectos da nossa vida cotidiana é que a falta cria o desejo. Trocando em miúdos, meninas: deixem sentir a sua falta, por mais que a ansiedade sirva de tentação para se fazer presente a todo o instante. Não há nada menos atraente que não deixarmos que sintam saudade da gente. Sobretudo, quando esta saudade refere-se ao homem que acabamos de conhecer.

Sejamos pragmáticas: se estivermos dispostas a correr o risco de satisfazer o nosso desejo e não vê-lo mais por um bom tempo, então, não há nada demais em ir atrás do sujeito. Se, por um lado, não podemos negar a singularidade de cada encontro, também não podemos negar que a modernidade não chegou ao psiquismo de muitos de nós: quer seja nos homens, que continuam a sentir-se ameaçados quando confrontados com mulheres que afirmam de maneira mais contundente e agressiva o seu desejo, parecendo-lhes dessa forma tirar-lhes o poder da conquista, quer seja pelo fato de muitas mulheres ainda acalentarem o desejo de encontraram o príncipe encantado que baterá à sua porta.

Portanto, prestem atenção para não serem contraditórias. Façam suas escolhas de forma consciente, de maneira que suas atitudes espelhem o que realmente querem.

Mas o que isto tudo tem a ver com saber se ele está ou não afim? É simples: homem que se perdeu não merece ser achado!

Quando estamos interessados, procuramos ter notícia, marcamos territórios, pois somos bastante temerosos que invadam o nosso espaço até sabermos que já o conquistamos. Portanto, se não existe este zelo inicial, traduzido em ligações feitas com certa antecedência para garantir que não nos comprometeremos com outra pessoa, ou então pequenas gentilezas, que servem para que lembremos do outro a todo instante - então, certamente, devemos desconfiar da natureza e da intensidade deste interesse.

Somos naturalmente competitivos para ganhar e competir pelo afeto alheio. Se a importância de nossa companhia não é (re) afirmada no início de nossos relacionamentos é porque, provavelmente, estamos diante da falta do que podemos considerar um encontro promissor.
::: Isso é sintoma de ansiedade e pré-ocupação :::
Adriana de Araújo

Estamos tão "pré-ocupados" que no meio da viagem esquecemos de olhar a paisagem! Tem tanta coisa boa acontecendo, mas a gente dá valor àquelas que parecem ser mais dramáticas. É como na TV: ainda continuamos em nosso cotidiano dando IBOPE para o que mais "impressiona".

Nas vezes em que fui voluntária numa casa de câncer me proibiram de publicar fotos na internet no site da nossa associação... As fotos mostravam as crianças (algumas carequinhas, mas nem todas) felizes, brincando... Quem olhasse as fotos se emocionaria, mas por ver tanta vida nos olhos daquelas crianças...

O quadro das mães era totalmente diferente: mães desanimadas, algumas já "enterrando" seus filhos. As crianças eram a lição maior. Era isso que eu desejava ilustrar no intuito de chamar as pessoas para se tocarem, para estarem perto. Mas me foi proibido, com risco até de um processo.

Semanas após vejo um outdoor na cidade com a mesma criança, com cara de dor numa sessão de quimioterapia, pedindo contribuições financeiras. As lições desse acontecimento são várias. As crianças são, talvez, nossos maiores mestres e professores. Envelhecemos e achamos que ganhamos "responsabilidade".

Na verdade, perdemos a beleza. Ficamos rigídos, não brincamos mais, levamos tudo muito "a sério", criamos mágoas por qualquer coisa... As crianças colocam beleza em tudo o que fazem... em meio aos muitos nãos dos adultos, continuam descobrindo o mundo. Experimentam os sabores das coisas, brincam, mesmo depois que um colega o "ofendeu".

Na verdade, o sentido de ofensa para uma criança é muito diferente do nosso. Elas têm a facilidade de esquecer e abraçar de novo, esquecer e dar risada de novo... Nós ainda continuamos pré-ocupados e ansiosos como as mães na casa de crianças com câncer. Nosso semblante, quantas vezes são tensos por tantas situações. Nós não confiamos na força da natureza.

Nós nos esquecemos da força de nossa natureza e estamos sempre forçando as coisas... Ansiosos, perdemos a oportunidade de experimentar os sabores, como as crianças fazem. Tomamos um sorvete, mas nem sabemos do que era... Alguém nos faz um afago, um gesto, uma palavra, um presente, mas nós não curtimos quanto poderíamos...

Já voltamos a ser vítimas e procurar algo para lamentar... Certa vez escutei uma frase numa palestra: "Você pensa que egoísta é aquele que faz muito por si? O egoísta quer que os outros cuidem dele! Deixar de ser egoísta é cuidar de si mesmo."