quinta-feira, setembro 04, 2008

::: Nós odiamos a sua ex :::
Tati Bernardi


Fernanda estava inconformada com a beleza da desgraçada, soube até que a fulana já tinha pousado para umas revistas seminua e que era persona constante em catálogos de lingerie.


Tentava se dizer o tempo todo que tudo bem, o que importa mesmo é o cérebro, e o cérebro dela era muito mais lindo que o da loiraça, mesmo em meio àquelas celulites, estrias e flacidez, a massa cinzenta dela merecia sair numa foto de pernas abertas em capa de revista internacional.


Droga, tô deprimida, por que ele tem que ter aquela ex- namorada loira de dois metros de altura, com as pernas começando no queixo, os seios grandes e em formato de gota e o desenho da boca perfeito? A vaca tem olhos azuis acinzentados!


Clarice sorri superior, não por nunca ter sentido isso, mas por não estar sentindo naquele momento. É delicioso ver um ser humano perdido quando estamos achados:


Calma Fê, ele não está com você? Não diz que te ama? Não está bom? Então deixa a modelo holandesa para lá! Ela devia ter bafo, chulé ou não devia saber a tabuada do sete…ou às vezes era tão bonita que achava que não precisava ser boa de cama…


Ane suspira, balança a cabeça e parece não concordar nem com o desepero de Fernanda e nem com a solução otimista de Clarice:


Ah cansei desse papo, sempre essa mesma desculpa, de que as lindíssimas são burras e limitadas! Olha, eu tenho uma teoria boa a respeito de tudo isso…


Clarice e Fernanda aproximam a cadeira para ouvir mais de perto a grande revelação, o restaurante todo parece fazer silêncio para Ane: a música pára, até o garçom que ia colocar o resto da água com gás no copo de Clarice acha melhor voltar outra hora.
Ane respira e manda a ver:


Vai ter sempre uma mulher mais bonita, mais gostosa, mais inteligente e mais rica do que você! E pronto! Fazer o quê?


As amigas afastam a cadeira de volta à posição original e se olham decepcionadas, a música volta a tocar no mesmo momento em que o copo de Clarice se enche de borbulhas que quase derrubam o limão já na borda. O garçom sente a energia ruim da mesa e pergunta se estava tudo bem com a comida, Fernanda o fuzila com os olhos porque a palavra comida a fez lembrar pela milésima vez no dia que a vaca holandesa era muito gostosa.


Ane sente que pode ser vaiada a qualquer momento e continua:
É verdade, gente, deixa a ex dele ser bonita, fazer o quê? Você também é bonita, mas o mais importante é que você tem uma coisa que ela não tem.


Fernanda arregala os olhos curiosa, qualquer coisa para aliviar sua alma enciumada, diminuída e invejosa.
Ele!Você tem ele!


Ah não, já era demais, nem suas amigas a entendiam mais! Não era o caso de ter ou não ele, ele que se danasse, ele tava fora do jogo. Era o caso de descobrir a mulher ao lado, de sair da bolha da vaidade absoluta e sentir na cara o gelado da realidade, era uma dor egoísta e solitária e nada tinha a ver com a possessão do amor. Era uma dor que tinha muito mais a ver com os traumas do colégio, aquela época desgraçada da vida de qualquer mulher que demora muito para ter bunda e peitos e ainda desfila um semblante infantil enquanto as amiguinhas do recreio já desenvolveram cara de sexo.


Dava no mesmo se Fernanda estivesse sentada num vagão do metrô, se achando a mulher mais linda do mundo subterrâneo, e uma tremenda gostosa entrasse na porra do vagão e a fizesse se sentir menos. Era a competição pura e simples.


Clarice tenta ajudar a amiga contanto uma história própria, nada melhor do que a desgraça alheia para a gente se sentir menos humilhado pela vida.


Olha, quer saber o que é muuuito pior do que uma vaca holandesa? Uma vaca pós- graduada em Londres, formada em cinema, premiada em Cannes, escritora e além de tudo com o péssimo hábito de ser humilde e simpática. A ex do meu ex era exatamente assim! A bunda cai minha filha, a mulher gostosa um dia acaba, envelhece. O que fica é uma mulher interessante para compartilhar o resto da vida. A ex do meu ex era uma puta mulher interessante.


Todas ficam em silêncio. Olhando para dentro de si e se perguntando o quanto eram bonitas, interessantes e o quanto poderiam incomodar as outras mulheres. Afinal, incomodar as outras mulheres era o que importava. Os homens eram meros coadjuvantes nessa competição.

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