sábado, abril 18, 2009

::: O especulador :::
Tati Bernardi

Você me disse gigantesca com tanta convicção que me tornei como sou. Enorme.
Você injetou em mim as riquezas que eu um dia daria em dobro. E só posso imaginar que eu seja realmente um private equity muito bem feito: você nem quis ficar pra receber.

Minha empresa agora é grande. E foi você quem a tirou do zero, do vermelho, das dívidas. Eu olho tudo, tudo bem. Mas não caio, não pego mais os clientes pequenos, as ofertas baixas, as propostas de comércio de bairro, os trabalhos chatos, os restos pra fazer algum fundo. Minha sala tem milhares de cadeiras caras e computadores e do meu aquário de vidros transparentes vejo o mundo. Tenho armazenado o suficiente pra nem precisar sair de casa.

Você me tornou milionária quando inflacionou seus sentimentos e sentidos e intenções. Ainda que fosse especulação, eu realmente me senti merecedora de ouvir tudo aquilo. De ser vista como você parecia me ver. E nunca mais na minha vida vou querer menos.

Ainda que fosse especulação, ainda que especulação com pessoas traga menos pessoas, ainda que você coloque valores além das suas reservas e mesmo crenças. Ainda que você dê um preço que não paga depois. Ainda que você se canse justamente porque seu talento em subir não condiz com sua preguiça de escadas. Mãos de basquete e peito de fumante. Ainda que você crie monstros com asas quando exalta além da rasante dos anjos. Como se todos nós não voássemos baixo em busca de um abraço. Que graça tem estar acima do mundo ou só amar o que é possível ali colocar?

Ainda que especuladores enxerguem o que os outros não veem mas não tenham humanidade para o contento. A parada. Dinheiro, gente, pouco importa. Querem mais, colecionadores, mais, mais. Porque no fundo, isso tudo pouco importa. Louco de verdade não é quem rasga dinheiro. É quem rasga pessoas.

Ainda que seja triste se movimentar com o que os outros guardam para viver. Essa nação inteira que eu poderia ter sido pra você, completamente quebrada. Ainda que seja típico dos especuladores amar o risco justamente por não assumi-lo. Ainda que eu tenha me confundido o tempo todo com investimento. Era saqueamento. Era amor de blefe. Era um jogo pra ver se era possível, se você era realmente tão bom que enganaria a si próprio. Mas você é tão bom que é melhor até do que você. Ouvi hoje na peça "A Alma Imoral”: só quem não se permite ser tolo se torna perverso.
Ainda assim, obrigada.

Alguns mentem se importando tão pouco que movem o mundo. Acabou que eu acreditei nesse valor antes inimaginável. Paguei quase sem poder. Comprei com reservas emprestadas de todos os meus cantos e mais alguns que inventei. Vou me pagar em mil parcelas pelo resto da vida. Mas não vendo nunca mais.

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