sábado, janeiro 03, 2004

::: Sua Inocência :::

Não lhe culpo, amor.
Por ser assim tão óbvio
Por eu lhe poder medir as falas
Prever suas próximas palavras.
Não lhe culpo por eu saber
O passo seguinte que
Você quer dar e não dá.
O seu estancar, a meia volta.
Aquela frase que vira a reticência
Eu sei sempre o que quer dizer.
A ausência mantida
O reencontro programado
A revolta, previsí­vel, também era.
Como o corte, aquele final que nunca termina
Porque lhe dar prazer me manter cativa
Mesmo quando sequer você me quer.
Tudo para você é no momento
Tudo no seu mundo dura ou acaba, por enquanto.
Tudo é sempre me deixar aqui esperando.

Não lhe culpo amor, culpo a mim
Eu que lhe permiti ser comigo assim
E fiquei aqui, prisioneira,
Nessa cela de porta aberta, sem tranca
Sangrando uma dor que nunca se estanca
Morrendo, fugindo, chorando rios
Clamando um bocado de ignorância
Um não saber de se sofrer sobremaneira
Um apagar, um esquecer, um enlouquecer.
Mas me é sempre tudo tão evidente
Que eu não lhe culpo, amor.
Das minhas certezas você é inocente
A culpa é minha, fui eu que lhe inventei
E fui eu que me entreguei, e fui que seu amor roguei
E fui eu que me flagelei, e fui eu que lhe estudei
Fui eu, eu sei, fui eu que lhe amei sem pedir licença
Sem fazer silêncio, fui eu que alardeei a dor
Fui eu que confundi obsessão com amor.

Não lhe culpo, amor, nem ao destino
Não lhe culpo pelo desconsolo que trago comigo
Talvez seja a paz, enfim, agora
Sem mais palavras, sem mais delongas
Um corte, um fim, uma morte.
Não lhe culpo amor por não me amar
Por me dilacerar, por me ignorar
Por ser cruel, por ser mordaz
Pelos dias de pranto, pelo sono perdido
Eu não lhe culpo pelo jogo
Eu não lhe culpo nem por parte dessa dor
Nem pelo todo.
Eu não lhe culpo por estender o início
Por estimular o meio.
Eu não lhe culpo por nada, por nunca
Eu não lhe culpo nem mesmo pelas horas em que eu lhe odeio.

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