domingo, janeiro 17, 2010

::: Carta de um Y ao seu filho :::
Anna Carolina Ortiz Gorski

São Paulo, 12 de março de 2018.

Filho meu,

Esta carta que lhe escrevo será lida um dia por você mesmo, para que minhas palavras completem meus atos. Foi escrita no dia em que você nasceu por uma mãe de primeira viagem, mas não por uma mulher recém-nascida. E, por isso, com um pouco de experiência do mundo, lhe passa a mensagem.

O monstro do escuro não existe. Aliás, filho, você um dia verá que o escuro é apenas aquilo que nossos olhos não sabem enxergar, mas que há pessoas que sabem ver escuridão em muitos dias de sol. Um dia claro pode ser até um pouco nublado, mas a luz desse dia estará com você se a alegria e o bom humor também estiverem presentes.

Chegar perto da janela não faz mal. Ainda mais se a mão que você segurar for de uma pessoa que olha na mesma direção que você, mas que principalmente poderá lhe acrescentar muitos outros pontos de vista.

Chocolate antes das refeições não é de todo ruim. Pode alterar o sabor do salgado, mas se você não mudar, de vez em quando, o sabor das coisas, como saber o que elas poderiam ter sido e não foram? E por que não fazer com que elas sejam diferentes?

Cores, formas e texturas estão por todos os lugares. Todas as sensações, experiências e momentos têm suas características. A felicidade pode ser laranja, caber num retângulo e ser translúcida como vidro. O mesmo vale para dias não tão bons. O importante, filho, é perceber que, assim como o sol e o escuro que lhe disse há pouco, todos os dias têm um pouquinho de cada cor do arco-íris. Nem tudo é amarelo. Nem tudo é cinza.

Histórias em quadrinhos são ótimas para a imaginação e percepção visual. O Homem Aranha não teria feito nada do que fez se não fosse a vontade de viver em um mundo mais justo. E se a ficção pode fazer um mundo melhor, o que diremos da realidade! Lembre-se da força (não só a física) dos heróis da História.

Pessoas boas, justas e decentes existem, sim. Não só nos contos de fada ou nas lições de moral das fábulas, mas na vida real. É difícil de encontrá-las, mas quando o fizer não as deixe escapar.

Correr de medo, chorar de solidão e sentir saudade que dói não são males condenáveis. Condenável é não se permitir sentir por medo dessas sensações.

Por falar em medo, aquele que nunca sentiu ou se afirma destemido é de se desconfiar. Não há nada nessa vida que não nos deixe um pouco receosos. Não fosse ele, não saberíamos o que é enfrentar o desconhecido. Falando em “desconhecido”, esse geralmente nos causa receio e hesitação. Mas também nos move na direção do novo, do inusitado; isso sim tem um valor inestimável.

Verá que amargura, ressentimento e mágoa são contraproducentes se carregadas por uma vida toda. Algumas pessoas vão lhe fazer mal e eu, nem sempre, poderei evitar. Contudo, perdoar é necessário, mas lembrar por que se perdoou é mais importante ainda. Algo lhe moveu na direção do perdão. Isso é preciso e precioso.

Do mesmo jeito, não se deixe enganar por promessas que pareçam boas demais à primeira vista. Nem tudo é tão perfeito como lhe vendem a idéia. Seja esperto para desconfiar.

Arte é tudo aquilo que mexe com a sua emoção. É preciso saber incluí-la nos seus dias e, se puder, incluí-la nos dias das outras pessoas. Todos nós precisamos de momentos em que nossos pés saiam do chão e que a imaginação nos faça ver o que está além dos olhos. Por isso, dance, cante, pinte, desenhe. Não tenha vergonha de se expressar.

Por outro lado, manter os pés no chão é igualmente bom. O dia a dia nos mostra limitações variadas: da natureza, do corpo, do homem. Faça tudo bem feito. O melhor que puder e o melhor que a sua saúde permitir. O seu corpo também é um limite e, como todo limite, precisa ser respeitado.

Por falar em limites, filho, há duas palavras importantes e que precisam ser muito bem aplicadas – tudo bem, errar fará parte dos seus dias – “sim” e “não” fazem milagres, mas também são limitadores. Nem todo “não” é para o mal e nem todo o “sim” sabe o que permite. Se você ouvir essas palavras vindas de nós, saiba interpretá-las: não queremos que você se frustre quando adulto, porém não podemos impedi-lo de cometer seus próprios erros – você só tem essa chance para acertar o máximo possível, e essa chance se chama “vida”; saiba o que fazer com esse presente.

Estude. Muito e sempre. Trabalhe. Muito e quase sempre. Não se deixe consumir por uma tela e um mouse enquanto sua vida – sua chance -acontece lá fora ou aí dentro.

Parar para descansar é tão importante quanto cumprir um prazo e entregar um trabalho de qualidade. Pessoas descansadas produzem mais e melhor. Acredite.

Não trabalhe contra você, não deixe que um elogio lhe suba a cabeça e que uma crítica -por mais ríspida que seja – acabe com o seu dia. Absorva a lição e continue seguindo em frente. Sempre.

Alguns lhe dirão que você é privilegiado por ter o que tem. Outros podem ter inveja – sim, ainda há quem almeje a vida do outro – dos seus sucessos. O grande ponto é ser humilde: para ser grato por tudo o que tem e para perceber que inveja é um sentimento vazio e pouco produtivo.

Saia do óbvio. Aliás, filho, óbvio é tudo aquilo que se repete inúmeras vezes, leva aos mesmos lugares, acrescenta as mesmas coisas. Fugir dele é possível e, hoje, imprescindível. Exige uma dose de criatividade e vontade. Saiba o que se tem por óbvio e desconstrua: use as oportunidades para enxergar além, moldar novas formas, criar.

Sua profissão será aquela que você escolher. Você. Não deixe que lhe digam o que vai ou não funcionar. Tenha, porém, os olhos apurados para enxergar oportunidades, uma vontade de dar certo, um amor enorme pelo que fizer.

Case-se ou não, namore muito, isso sim. Ele ou ela. Você sabe quem pode lhe aumentar a felicidade, mas seja quem for, não projete nele – ou nela – o que você queria que fosse. Aceitação e maleabilidade são as chaves da relação, uma não exclui a outra.

Tenha uma fé. Independentemente da sua religião, todos os credos levam ao mesmo Ser. Muitos serão os nomes, mas o seu coração será amparado sempre por Aquele que tudo provém.

Meu querido, com essa carta não tive a pretensão de lhe passar todo o conhecimento – mesmo porque não o detenho- mas apenas reforçar as lições que aprendi. De nada teriam valido se eu não as transmitisse para você.

Não é um guia, mas tenho certeza de que muito do que está aí se aplica!

Cuide-se, filho.
Te amo muito!
Um beijo e muitas cócegas,
Mamãe.

Um comentário:

Anna Carol disse...

agradeço por postar meu texto no seu blog! Atenciosamente, Anna Carolina Ortiz Gorski